sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Amar


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar, amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amorosa,
sozinho em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta,
e o que, na brisa, marinha,
é sal, ou precisão de amor,
ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectorante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso, sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este é o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor
a procura medrosa, paciente,
de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa
amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

(Carlos Drummond de Andrade)

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