segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Agressores e vítimas formam esquadrão anti-bullying em escola na periferia de São Paulo

É hora do intervalo na escola estadual Jornalista David Nasser, no Capão Redondo, em São Paulo. Ao perceber que um amigo estava sendo ofendido – de novo – por termos como “bicha” e “viadinho”, Amanda Soares do Nascimento, 13, resolveu partir para a briga. O grupo agressor revidou e, para não apanhar, Amanda e o amigo sairam correndo. Depois, eles tiveram de ser “escoltados” por um professor para evitar qualquer tipo de vingança. A cena, que era comum há um ano, virou caso raro.
Atualmente, vítimas e agressores fazem parte do mesmo grupo e divulgam pela escola a importância da tolerância e do respeito pela diferença. Dois estudantes de cada classe são escolhidos para integrar esse tipo de esquadrão contra o bullying e outras violências na escola. A ideia é resultado da combinação de dois programas — o JCC (Jovens Construindo a Cidadania), promovido pela PM (Polícia Militar) e outro, da secretaria estadual de Educação, que institui a figura do professor-mediador [de conflitos] — por meio de dois profissionais: a professora-mediadora Fabiana Laurentino da Silva e o policial militar Fausto Alves Ramalho.

Pode crer

Os alunos desenvolvem discussões, produção de propagandas e apresentações culturais. Para pôr fim aos maus-tratos, o teatro e a música mostraram-se bastante eficientes. O funk, ritmo apreciado por muitos, ganhou uma letra específica para o tema, redigida pelos próprios alunos. Diz um trecho: “a amizade é muito boa, estamos na escola para aprender. O bullying é muito errado e nisso você pode crer”.
Além de acalmar os ânimos, o contato com a arte e o fato de encontrar meios de se expressar revelou alguns talentos. Gustavo Soares da Rocha, 15, por exemplo, é o centro das atenções com as músicas que toca para difundir ideias de tolerância. Antes do programa, o garoto era o terror da escola — com histórico de depredação do prédio e brigas com os colegas. “[Fazia aquilo] para fazer graça e ganhar respeito dos outros”, conta. “Mas tem outras maneiras de fazer isso”, explica.
Até agosto deste ano, o grupo se reunia em horário de aula, mas passou a fazer parte do conjunto de atividades extracurriculares. Os professores e a direção avaliaram que os estudantes não podiam abrir mão desse tempo em classe, apredendo as matérias do currículo.

De agressor a exemplo

Combinando as iniciativas, Ramalho e Fabiana têm trabalhado para tornar os causadores dos maus-tratos em combatentes da violência. Eles aproveitam o potencial de liderança e mobilização dos antigos agressores, usando essas características para evitar o bullying.
Maria Luiza Goes, 13, já experimentou os dois lados. Pernambucana, a menina debochava dos colegas estudiosos, perseguindo-os e chamando-os de “nerds” quando morava no Nordeste. Quando chegou à capital paulista, ela passou à posição oposta: “Fui chamada de nerd várias vezes”, conta. Depois de ter entrado no grupo, ela, que já havia se arrependido do que fazia na antiga escola, tenta passar sua experiência aos outros para que a história não se repita.
A história de Laiane Lopes Neres, 12, é parecida: ela já foi vítima e agressora. Ao representar uma personagem que se enforca por causa das seguidas agressões, a aluna se emociona e chora ao lembrar dos sentimentos que vieram à tona. “Nunca imaginei como seria estar numa situação assim”, afirma.

Diálogo

O grupo sabe de cor o que é bullying: “agressões físicas ou verbais repetidas que podem levar à depressão e até ao suicídio”. A definição, burocrática, ganha outras cores com casos como o de Mateus da Conceição, 13, que fala pelos cotovelos e não tem problemas para se expressar em público. Quem o vê hoje em dia não imagina que já sofreu depressão, parou até de comer e cogitou o suicídio. “Era tão humilhado que perdi a vontade de tudo”, conta. Para descontar a tristeza que sentia, resolveu atazanar um colega. “Puxava o cabelo dele, batia até deixar a cara roxa. Hoje vejo que coisa horrível eu fiz”, conta.
Para esses alunos, o grupo anti-bullying representou o fim de uma longa e triste história. “Agora sei que nunca deveria ter partido para a agressão”, diz Amanda. A intenção é justamente essa: substituir a violência pelo diálogo na resolução dos conflitos entre as crianças e os jovens — conflitos esses que sempre vão existir.
“Queremos também mostrar à vítima que ela tem com quem contar dentro da escola”, diz Fabiana que sempre tenta colocar agressores e vítimas frente a frente para ajudá-los a resolver os conflitos. Muitas dessas duplas acabam se tornando amigos, como é o caso de Juliana Neres, 15, e Gustavo Soares da Rocha, 15. O garoto costumava xingá-la “por causa dos cadarços coloridos que [ela] usava”. Atualmente, eles não se desgrudam e têm o hábito de realizar longos duelos ao estilo Harry Potter.
A turma está pensando agora em promover uma passeata pelo bairro para promover a luta contra o bullying. Eles querem até chamar uma fanfarra para animar a caminhada. Também negociam uma participação no programa “Altas Horas”, da Rede Globo, para mostrar o trabalho desenvolvido. “Vamos levar a discussão a outras escolas e até a países estrangeiros, pois o bullying não é um problema só do Brasil”, diz um dos alunos, apoiado em seguida pelos outros.
Fonte: UOL

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A onda


a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda

Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água.
Pra me contar histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Editora moderna lança série que apóia escolas e professores na educação inclusiva de alunos com deficiências

A Editora Moderna acaba de lançar uma série de livros sobre Atendimento Educacional Especializado (AEE). Os cinco títulos, que fazem parte da coleção “Cotidiano Escolar: ação docente”, são dirigidos a professores e a todos os interessados em conhecer um pouco mais os desafios e também as possibilidades de inclusão escolar das pessoas com deficiência.

Renomados especialistas em educação especial, os autores da série oferecem subsídios para a ação inclusiva na sala de aula, como informações científicas, relatos de experiências e sugestões para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos com deficiência auditiva, visual, física e intelectual. A série ainda traz um volume voltado para a discussão das políticas públicas na área da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, tema que integra o Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020), na meta de número 4.

Meta 4. Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. (PNE 2011-2020)

Segundo o Ministério da Educação, no ano passado, 484.332 estudantes com deficiência estavam matriculados em colégios regulares. “Por lei, nenhuma escola, pública ou privada, pode recusar a matrícula de estudantes com deficiência. Mas sabemos que a inclusão envolve o desafio de atender às necessidades educacionais de todos os alunos, portanto, ela depende principalmente da capacitação do professor, e não apenas da matrícula assegurada. Por isso, a série tem o objetivo de orientar e apoiar os docentes da rede regular de ensino em suas práticas pedagógicas voltadas para esse atendimento”, diz Sônia Cunha, diretora editorial da Editora Moderna, responsável pela coleção.

Cada livro da série aborda prioritariamente um tipo de deficiência. No volume “AEE do aluno com surdez”, por exemplo, o leitor, além de se informar sobre o que a Política Nacional de Educação Especial versa sobre a deficiência, conhecerá mais sobre o ensino e o aprendizado da Libras – Língua Brasileira de Sinais.

O ensino do Braille e a compreensão das necessidades e potencialidades de pessoas cegas e com baixa visão, no processo de escolarização, são debatidos no volume “AEE do aluno com deficiência visual”. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que obriga as escolas públicas e privadas a oferecer a seus estudantes com deficiência o ensino de linguagens que lhes permitam a inclusão no ambiente escolar, como a Libras e o método Braille.

A gestão, a avaliação e o acompanhamento da aprendizagem de alunos com deficiência intelectual, assim como o papel da acessibilidade para a efetiva participação do estudante com deficiência física no cotidiano escolar, são analisados em livros específicos.

“Cada volume traz informações sobre a deficiência e suas implicações no processo de construção do conhecimento, além de apresentar estudos de casos e estratégias específicas, como a adaptação do material didático, sempre visando ampliar as possibilidades de interação e participação desse aluno em situações de aprendizagem na sala de aula regular. São orientações e reflexões úteis para professores, gestores, pais e familiares, todos peças fundamentais no processo de inclusão da pessoa com deficiência”, diz Sônia Cunha.

Os livros “Atendimento Educacional Especializado” estão disponíveis nas filiais e nos distribuidores da Editora Moderna, em todo o território nacional.

Conheça os autores da coleção
“Atendimento Educacional Especializado – Políticas Públicas e Gestão nos Municípios”
Maria Teresa Eglér Mantoan – Pioneira no movimento brasileiro em favor da inclusão escolar, integrou o grupo de trabalho que sistematizou a nova Política Nacional de Educação Especial. Coordena o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferenças da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – SP.
Maria Terezinha Teixeira dos Santos – Autora do livro “Bem-vindo à escola: a inclusão nas vozes do cotidiano”, ex-secretária Municipal de Educação e Cultura de Três Corações (MG).
“Atendimento Educacional Especializado do aluno com deficiência intelectual”

Rita Vieira de Figueiredo – Mestre em educação, doutora em psicopedagogia pela Université Laval (Canadá), e pós-doutorada em Linguagem Escrita e Deficiência Intelectual pela Universidade de Barcelona, na Espanha.
Jean-Robert Poulin – Pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, vinculado à linha de pesquisa de educação especial. Canadense, graduado pela Université Laval.
Adriana Limaverde Gomes – Coordenadora da área de Deficiência Intelectual do Curso de Especialização em Atendimento Educacional Especializado pela Universidade Federal do Ceará. Graduada em Pedagogia e mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará, especialista em Psicomotricidade pela Universidade de Fortaleza.

“Atendimento Educacional Especializado do aluno com deficiência visual”
Elizabet Dias de Sá – Psicóloga pós-graduada em Psicologia Educacional, coordena o Centro de Apoio Pedagógico para o Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAP) de Belo Horizonte, junto à Secretaria Municipal de Educação.
Myriam Beatriz Campolina Silva – Psicopedagoga e professora especializada em deficiência visual. Integra a equipe da Coordenadoria Municipal das Pessoas Portadoras de Deficiência de Belo Horizonte (MG).
Valdirene Stiegler Simão – Graduada em Educação Física, com especialização em Metodologia do Ensino e Avaliação e aperfeiçoamento na Área da Deficiência Visual; mestre em Educação, é professora pesquisadora do curso de Formação de Professores em Atendimento Educacional Especializado, da Universidade Federal do Ceará em parceria com o MEC.

“Atendimento Educacional Especializado do aluno com deficiência física”
Rita Bersch – Consultora da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, fisioterapeuta especialista em Reeducação das Funções Neuromotoras pela Universidade Luterana do Brasil.
Rosângela Machado – Coordenadora geral da Política de Educação Especial da Secretaria de Educação Especial do MEC no período de 2008 a 2009. Pedagoga pela Universidade Federal de Santa Catarina.
“Atendimento Educacional Especializado do aluno com surdez”

Mirlene Ferreira Macedo Damazio – Pedagoga com mestrado em Educação e Educação para a Diversidade Humana pela Universidade de Salamanca, é consultora do MEC/Seesp/Seed/UFC no Programa de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, na área da Surdez.
Carla Barbosa Alves – Pedagoga e especialista em Metodologia do Ensino Superior e em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia. Supervisora escolar da Prefeitura de Uberlândia, no setor responsável pela Educação Especial.

Sobre a participação das pessoas com deficiência nas tomadas de decisão

Mais uma vez a participação de pessoas com deficiência intelectual em importantes eventos em que elas próprias são o assunto principal é posta em cheque. Parece que não adiantam tratados internacionais, leis nem campanhas de conscientização para que mesmo aqueles que estão dentro do movimento das pessoas com deficiência, entendam que esta participação não é uma opção. “Nada sobre nós sem nós”, não é apenas um lema, é um direito constitucional.


Com o intuito de ajudar a convencer esta parcela resistente às mudanças, que inclusive não vêm de hoje – na verdade começaram a acontecer em 1978, no Congresso de Viena e portanto há 33 anos (!),.traduzi trechos da biografia do ativista Peter Mittler, da Inclusion International, que descrevem conferências mundiais sobre deficiência intelectual e contam a história dos auto-defensores.

Inclusion International – Uma história pessoal, de Peter Mittler.

“VIENA – 1978

O Congresso de Viena sobre deficiência mental de 1978 foi memorável por ter sido a primeira ocasião em que grupos de pessoas com deficiência intelectual participaram.

(…)
Houve algumas discussões sobre que “acomodações especiais” teriam de ser feitas para eles, mas logo foi decidido apenas deixá-los vir como participantes comuns, juntamente com os seus acompanhantes, e misturarem-se com todos os outros em sessões, eventos sociais e passeios .

NAIROBI 1982

Uns 300 auto-defensores chegaram, junto com acompanhantes e alguns com seus pais.

A sessão plenária foi uma experiência inesquecível. Cada membro do painel veio de um país diferente e nem todos falavam em Inglês. Ake Johansen, o mais antigo membro do painel, passou décadas em uma instituição de longa permanência sueca e mais tarde publicou um livro sobre suas experiências. Alguns tiveram algum apoio, mas a maioria falou sem notas e se manteve dentro do tempo estipulado. Todos eles falaram sobre os seus direitos – o direito de ir à escola e trabalhar na comunidade, o direito de escolher como e onde viver, o direito de escolher os amigos.

No final, Ake Johansen nos presenteou com uma lista de recomendações sobre como fazer a próxima conferência mais acessível – os palestrantes não deveriam falar por tanto tempo, usar frases curtas, lembrar-se que nem todo mundo sabia tantas palavras como eles. Todos os conselhos admiráveis mas nem sempre são atendidos, como ele mesmo se queixou muitos anos depois.

Poucos de nós havia visto um evento como esse e o público oscilava entre silêncio atordoado e aplausos histéricos. Mas, mais estava por vir: perguntas e respostas. Todos nós tínhamos medos sobre como essa parte iria se desenrolar. Será que as perguntas serão muito complicadas, irrelevantes, até mesmo hostis? Será que os debatedores entenderão as perguntas e serão capazes de responder? Pelo que me lembro, embora houvesse obstáculos e dificuldades, as sessões de perguntas e respostas excederam todas as nossas expectativas.

HAMBURGO 1985

Hamburgo marcou uma virada na histórica não só da Liga (Liga de Sociedades de Pessoas com Deficiência Mental, ILSMH, que deu origem à Inclusion International), mas do movimento de auto-defensores, porque o que aconteceu não foi planejado e pegou todos de surpresa. Foi na verdade uma manifestação de todos os auto-defensores, protestando contra a sua exclusão da conferência.

O evento de Hamburgo era uma conferência regional europeia, muito bem organizada e planejada pela Lebenshilfe da Alemanha, liderada por Tom Mutters, um dos três fundadores da Liga. Após o encontro de Nairobi, houve uma forte mobilização para a participação do maior número de auto-defensores possível.

Mais de 300 auto-representantes vieram de toda a região. Os organizadores tinham feito arranjos para que visitassem uma variedade de serviços e locais de interesse e organizado muitas atividades de lazer, bem como oportunidades de discussão entre si. Mais uma vez, uma sessão final foi planejada em que alguns deles fariam uma breve apresentação e recomendações sobre temas específicos, seguido por uma rodada de perguntas e resposta.

Havia uma atmosfera de expectativa no auditório lotado e parecia que os membros da mesa e a moderadora da sessão estavam prestes a subir ao palco. Ao invés disso, assistimos a uma procissão interminável de auto-defensores deixando os seus lugares reservados nas filas da frente e andando de maneira calma e ordenada para a palco. Quando estavam todos reunidos, eles cuidadosamente desfraldaram um banner enorme, da largura do palco, onde se lia:

“Por que fomos excluídos desta conferência?”

Ninguém falou uma palavra. Os auto defensores mantiveram-se firmes, de frente para o público, mas com uma atitude amigável. Houve um longo silêncio, atordoador. Ninguém sabia o que fazer. A moderadora e os membros da mesa não estavam à vista.

O silêncio foi finalmente quebrado pelas palmas e gritos de pessoas da platéia, muitas estavam de pé, algumas estavam chorando. Outros permaneceram impassíveis. Os organizadores alemães estavam em estado de choque. Nem eles nem ninguém tinha ideia do que iria acontecer. Os auto-defensores sorriram e acenaram de volta, mas ficaram onde estavam.

Eventualmente, eles voltaram para seus lugares, e a sessão que estava programada começou. Depois do que aconteceu, poderia ter sido um anti-clímax, mas não foi. A mesa explicou que os auto-defensores estavam felizes por estar em Hamburgo, mas eles pensavam que iriam assistir a uma conferência. Em vez disso, visitaram vários centros de convivência, residências terapêuticas e fizeram atividades de lazer. Eles gostaram de estar uns com os outros, fizeram algumas amizades e tinham aprendido muito, apesar dos problemas de linguagem. Mas não tinham participado da conferência – até agora.

A sessão terminou e, como presidente, coube-me encerrar a conferência. Em vez das palavras convencionais, eu disse que tínhamos acabado de presenciar um evento histórico – não apenas para a Liga, mas para pessoas com deficiência intelectual em todo o mundo. Pela primeira vez, que eu soubesse, eles não estavam apenas falando por si próprios, mas estavam fazendo isso sem a mediação de seus pais, de profissionais, nem dos membros da Liga. Eles também se mostraram solidários uns com os outros, o que lhes daria força para voltar aos seus países e continuar a lutar por seus direitos e por aquilo que em acreditavam. Disse que todos nós deveríamos dar as mãos a eles até onde eles quisessem o nosso apoio, e deixá-los prosseguirem.

A sessão terminou, mas pequenos grupos permaneceram em cada canto do auditório em animada discussão. Eu dei uma volta pelo auditório e pude ouvir divergências profundas e perturbadoras entre os grupos e dentro deles. Familiares, amigos e colegas de profissão que pensavam que conheciam as opiniões uns dos outros encontravam-se em extremos opostos.

Algumas pessoas elogiaram o que eu tinha dito no encerramento, mas muitas não gostaram. Eu não posso estimar quantas pessoas simpatizaram com os manifestantes, mas entre aqueles que levantaram dúvidas e demonstraram até mesmo hostilidade, eu pude identificar algumas reações bastante perturbadoras:

“-Eles não estavam falando por si próprios;

-Eles foram manipulados;

-Eles não eram deficientes mentais, eram?

-Quem são eles para falar por nossos filhos
-Eles deveriam estar agradecidos a nós por termos deixado-os vir. ”
(…)

Para mim, o movimento de auto-defesores atingiu a maioridade quando Goode Barb dirigiu uma sessão plenária da Assembléia Geral da ONU para marcar o fim da Década das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas em 1992. Ela disse o seguinte:

“Falo em nome de pessoas com deficiência mental. Somos pessoas primeiro lugar e só em segundo lugar nós temos deficiência mental.

Queremos avançar nos nossos direitos e queremos que outras pessoas saibam que estamos aqui. Queremos explicar aos nossos companheiros seres humanos que podemos viver e trabalhar em nossas comunidades.

Queremos mostrar que temos direitos e responsabilidades.

Nossa voz pode ser uma novidade para muitos de vocês, mas é melhor se acostumar a ouvi-la. Muitos de nós ainda temos que aprender a falar. Muitos de vocês ainda tem que aprender a ouvir e nos entender.

Precisamos de pessoas que têm fé em nós. Você tem que entender que nós, como você, não queremos viver em instituições. Queremos viver e trabalhar em nossas comunidades. Contamos com seu apoio às pessoas com deficiência mental e suas famílias. Contamos com seu apoio a ILSMH e suas associações-membros.

Acima de tudo, exigimos que vocês nos dêem o direito de fazer escolhas e tomar decisões sobre nossas próprias vidas “.

O protocolo da ONU não permite aplausos, mas as palmas – e as lágrimas nos olhos – mostraram que esta não era uma ocasião comum.

Fonte: http://www.inclusion-international.org/about-us/history/