Cultura: Filme para deficientes visuais
Na tela do cinema, a imagem mostra uma senhora numa
cadeira, em uma sala ampla com um piano ao fundo, bordando em silêncio. No áudio,
um narrador descreve detalhadamente a cena.
A
câmera fecha um ângulo nas mãos dessa mesma mulher. O narrador continua a
descrever: "a imagem mostra o detalhe da agulha passando pelo
tecido".
Na ampla plateia do Cine São Carlos, no interior de
São Paulo, com capacidade para 540 pessoas, um grupo de 15 deficientes visuais
acompanha o desenrolar do filme.
Eles
estiveram na primeira sessão do Cine+Sentidos, que começou ontem e vai exibir,
quinzenalmente, filmes com audiodescrição para cegos.
O projeto, iniciativa da Prefeitura de São Carlos em
parceria com o Cine São Carlos, é apontado como pioneiro no interior paulista
em ter sessões permanentes para quem tem problemas na visão.
Na
primeira sessão, foram exibidos cinco comédias curtas-metragens. Uma delas,
"Mr. Abrakadabra!", do diretor José Araripe Jr., feito mudo e em
preto e branco.
Na
plateia, o som de risos, enquanto o narrador descreve as tentativas de um
mágico que, já velho, decide morrer a qualquer custo.
"Se
não houvesse a audiodescrição, seria impossível entender. Com ela, dá para
acompanhar toda a história", disse Ailton Alves Guimarães, 38, que
consegue enxergar apenas vultos.
Com
exibições gratuitas quinzenalmente, às quintas-feiras, o Cine+Sentidos quer
atrair mais pessoas progressivamente, diz o coordenador de Artes e Cultura de
São Carlos, Almir Martins.
Os
deficientes visuais são incentivados a levar parentes e amigos que não são
cegos. "É uma forma de permitir que, depois, eles trocam impressões sobre
o filme", diz Maurício Zattoni, chefe da Divisão de Audiovisual.
O
projeto de São Carlos segue os passos de outros programas culturais
bem-sucedidos de inclusão de pessoas com necessidades especiais.
O
principal deles em atividade no país teve início em março, no Teatro Carlos
Gomes, no Rio de Janeiro, onde todas as peças em cartaz na temporada deste ano
têm audiodescrição, Libras (Língua Brasileira de Sinais) e legendas,
beneficiando não apenas deficientes visuais, mas, também, os auditivos.
"Antes,
não havia um espaço que oferecesse isso de forma permanente", diz a
coordenadora de acessibilidade do projeto no Carlos Gomes, Graciela Pozzobon.
Pioneiras da audiodescrição no país, ela diz que há
iniciativas do tipo em festivais ou temporadas curtas em capitais como São
Paulo e Porto Alegre.
Ela
e o especialista em audiodescrição Paulo Romeu Filho afirmam não
conhecer outras cidades do interior que tenham projeção do tipo permanente.
Fonte: Folha