terça-feira, 17 de janeiro de 2012


Neurociência nos tribunais


Royal Society discute as possibilidades e limitações do uso de análises cerebrais nas aplicações da lei. Em relatório recém-lançado pela entidade britânica, especialistas recomendam encontros periódicos entre profissionais do direito e neurocientistas.

(Montagem: Carla Almeida)
Em relatório da Royal Society, especialistas discutem o uso responsável da neurociência nos processos jurídicos. Técnicas baseadas em análises cerebrais, cada vez mais comuns, devem ser usadas apenas para auxiliar decisões.
Mapeamento cerebral e análises genéticas têm sido usados com cada vez mais frequência em tribunais de todo o mundo. Mas é preciso cautela na hora de se tomar decisões legais com base em evidências obtidas por meio dessas técnicas, alerta a Royal Society, a academia de ciência do Reino Unido.
A entidade lançou na semana passada o relatório ‘Neurociência e a lei’, no qual registra justamente o abuso jurídico na aplicação de procedimentos desenvolvidos especialmente nesse campo. “É irresponsável usar tais métodos como evidências conclusivas”, defende o psicólogo experimental Nicholas Mackintosh, da Universidade de Cambridge e líder do grupo de autores do relatório, composto por especialistas em neurociência, direito, psicologia e ética.
“Na verdade, nenhum método científico oferece 100% de certeza. A ciência serve para dar probabilidades e por isso funciona como auxiliar em questões legais, junto a outras evidências.”
“A ciência serve para dar probabilidades e por isso funciona como auxiliar em questões legais, junto a outras evidências”.
O documento aponta as limitações por trás de algumas das técnicas mais utilizadas hoje envolvendo o cérebro. Os detectores de mentira, por exemplo, que supostamente indicam quando um indivíduo está mentindo, podem ser ‘enganados’ pelos acusados e, portanto, não deveriam ser utilizados como evidência principal para uma condenação.
O uso de exames neurológicos para classificar casos de dor, que permitiria checar a veracidade de pedidos de indenizações por acidentes ou aposentadoria por problemas de saúde, também apresenta problemas, segundo o relatório.
Esses exames detectam se há atividade nas áreas do cérebro que processam estímulos dolorosos, mas ainda não é capaz de definir a intensidade dessa dor, já que não leva em conta variáveis importantes como o estado de espírito do indivíduo ou mesmo seu foco de atenção. “Mas é bem provável que em alguns anos a técnica se torne suficientemente eficiente a ponto de ser usada em decisões legais”, afirma Mackintosh.
Outra questão preocupante apontada pelo pesquisador diz respeito ao uso indevido por criminosos de evidências genéticas e neurológicas como atenuante para seus crimes – “meus genes me fizeram fazer isso”. Mackintosh contesta: “Na verdade, ninguém é obrigado a cometer um crime. Mesmo no caso de pessoas classificadas como sociopatas, há uma probabilidade um pouco maior, mas nada além disso.”
De mãos dadas
O relatório também aborda as possibilidades abertas pelos avanços da neurociência e da genética no contexto jurídico. Os autores são especialmente otimistas em relação ao uso de análises científicas para auxiliar decisões sobre liberdade condicional.
Nesse caso, exames cerebrais poderiam ajudar a avaliar as chances de uma pessoa condenada voltar a cometer crimes. Por exemplo, se o cérebro de uma pessoa tem características relacionadas ao comportamento sociopata e se, além disso, ela sofreu abusos na infância, a chance de reincidência é estatisticamente maior e, segundo os especialistas, isso deveria ser levado em consideração na hora de se decidir sobre os riscos que, solta, ela representa para a sociedade.
Ressonância magnética cerebral

Ressonância magnética cerebral. Especialistas veem com otimismo a possibilidade de se usar exames cerebrais para avaliar as chances de uma pessoa condenada voltar a cometer crimes. (Imagem: max brown/ sxc.hu)
Para superar as limitações e mais bem explorar as possibilidades oferecidas pela ciência no campo legal, o relatório recomenda encontros periódicos entre profissionais do direito e neurocientistas que permitam que os primeiros se mantenham atualizados em relação aos avanços dos estudos do cérebro.
Os especialistas também apoiam a introdução de conhecimentos da neurociência nos cursos de direito, nos moldes do que já ocorre em certas universidades dos Estados Unidos, e observam que entre os anos de 2005 e 2009 o uso de evidências genéticas ou neurológicas em tribunais naquele país mais do que duplicou, especialmente nos casos de assassinato.
“A neurociência tem como objetivo entender comportamentos, enquanto o direito serve para regular comportamentos; nada mais natural que essas duas áreas trabalharem em conjunto”, concluiu Nicholas Mackintosh.
‘Neurociência e a lei’ é o quarto relatório da série ‘Ondas cerebrais’, que analisa recentes avanços na área da neurociência e suas aplicações na sociedade.

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